quinta-feira


Olhando pela janela, assim. Vejo os contornos dos edifícios, e umas paisagens estéreis, em rotação alta, formam um mosaico indefinido. Conheço de muito todas essas construções, impassíveis, pequenas, altas, pobres e sofisticadas. Cada poste, cada comércio, e em cada rosto há um pouco de parentesco. O ônibus é expresso, e tem ar condicionado. Não converso com o senhor ao meu lado. Não por ele. É por mim mesmo. Nunca consegui me livrar dessa certa casmurrice. Não chego a dar patadas. Olho mais que falo. Falo menos do que enxergo. E assim viajo compenetrado, olhando para a rua. Torço para chegar mais cedo, e preparar a casa. Sei que vens. E me alegro. Tanto que a casmurrice passa:
- Está frio aqui dentro - disse eu ao senhor ao meu lado.
- É - respondeu, seco, vingativo, com o engasgo de quem foi ignorado desde o início da viagem.
Continuo, tentando reparar meu comportamento:
- Minha filha vem me visitar hoje.
- O senhor é separado? Perguntou, mais à vontade.
- Já fui. Tenho outra família. Mas falo de minha filha mais velha, tem 22 anos. Tenho uma menor, que vai fazer quatro anos...
- O senhor é abençoado...
Um barulho interrompeu nossa conversa. Era o motorista, anunciando o ponto final.
Descemos. A noite se avizinhava. Despedimo-nos, certos de que a conversa deveria continuar.

 "O senhor é abençoado"...

Minha filha vem me visitar hoje!

Nenhum comentário: